Retalhos.

Eu queria começar aqui expondo tudo o que esta prestes a explodir aqui dentro num bandeja de prata, pra quem sabe tornar este processo mais fácil. Mas decidi que antes de olhar os retalhos, vou concluir. Depois eu costuro o que quer que seja. Agora preciso mais ser do que ter. Sei que isso parece óbvio, mas às vezes não é. Sabe tem dias que o "antes só que mal acompanhado" não faz sentido algum. Tem dias em que "a esperança é a última que morre" me faz pensar quantas vidas teria essa tal esperança. Me convenço a acreditar que que ela tem quantas vidas eu quiser dar, e que sua invencibilidade pode ser tão significativa que suas vidas não façam a diferença que fariam normalmente. É como uma tatuagem, tudo o que passou por mim estes dias foi como um furacão. Não sei ao certo se passei por eles ou eles é que passaram por mim, sei do resultado. Acho que foi Neruda quem disse que nos tornamos escravos das consequências de nossos atos, bem talvez ele esteja certo. Acho escravo uma palavra muito forte mas os resultados são inevitáveis e ter que lidar com eles é apenas uma questão de tempo.
Eu não ligo mais pra quem vocês pensam que eu sou. Passei muito tempo preocupada com apresentar justificativas adequadas o suficiente que me fizessem parecer boa o suficiente para passar por tudo isso. Me mostrar como a muralha todos os dias, como a chama que nunca apaga. É importante me lembrar que sou mortal, todos os dias.
É importante agradecer pela vida todos os dias e por cada passagem dela.
É difícil pra caralho olhar o ponto mais lucrativo disso tudo.
É importante valorizar o que merece, difícil saber o que importa às vezes.
Aquela súbita vontade de fugir voltou esses dias. Foram dias escuros.

Às vezes é difícil viver assim. É como se eu me cansasse de ajudar as pessoas a quebrarem muros. Principalmente porque quando faço isso com elas, normalmente enfio uma lâmina bem afiada nos meus problemas. É como se eu estivesse cutucando-os e dizendo "venham aqui agora, eu vou acabar com vocês hoje" e assim um a um meus conflitos pessoais vão indo embora. E eu vou tendo a oportunidade de reconhecer uma coisa nova em cada palavra que sai involuntariamente da minha boca.
É como se em alguns dias eu não me controlasse e nem se quer soubesse quem sou.
Tenho que me policiar pra não falar demais.
E me canso dos blefes do destino, quando eu sou o assunto principal. É como uma condição de existência - para ter cem palavras certas você precisa ter uma errada, e para prevenir erros a errada vai ser justo a sua. Não estou falando de avisos, estes funcionam muito bem, estou falando dos conselhos.
Ter com quem contar que sempre me pareceu tão certo, mas esses dias se tornou uma névoa ao meu redor, acompanhada das tendências que nós oferecemos quando ficamos verdadeiramente tristes. O abstrato me oferece surpresas nesses dias, surpresas que já não são tão inesperadas assim mas que meu consciente insiste em se alegrar com elas e acreditar na humanidade. Queria dizer que sou virtuosa, e que faço isso porque acho lindo. Mas é puro egoísmo. Eu faço isso pra me sentir bem comigo, e simplesmente porque eu me sinto bem ajudando pessoas e sinceramente isso não é tão bonito quanto deveria ser, se você assiste do lado de cá da vitrine. Tudo parece mais escuro quando já não se vê o mundo com os olhos que tinha quando eram novidades.
Tem dias que são bem solitários. Alguns mais do que outros, ou mais do que deveriam ser para manter minha sanidade, que devo confessar quase perdi.
Às vezes me canso dessa longa caminhada, que para meus olhos de velha parece curta rumo à dias sempre melhores, mas diante dos meus olhos de novata parece infinita.
Mas tudo bem, no final não sei ser de outro jeito. Não enxergo minha felicidade fora dessa condição em que fui feita. Sempre fui assim mesmo - filha de dois mundos. Separados por um muro, por um vidro, por uma estação, por um rio, por um jardim, por um armário. Para cada um uma coisa diferente, mas pra mim tudo faz tanto sentido que sempre tive uma escada para ir e vir quando quiser.Devo confessar que isso secretamente me faz mais feliz. Ser assim me faz ter mais fé. E hoje eu posso dizer que depois de muito tempo, sou realmente uma mulher de fé. 

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